Para os homens sobreviventes de violência sexual o dia do pai pode ser uma data bastante problemática e complicada. Na maioria dos casos de violência sexual contra homens e rapazes o abuso acontece na própria família, e muitas vezes o abusador é o próprio pai. Noutros casos, o progenitor pode ter tido conhecimento do abuso e não ter garantido a segurança do filho. Em ambas as situações, a relação entre a vítima e o pai é muitas vezes ambígua e repleta de sentimentos contraditórios. As vítimas podem sentir afeto e apego pelo seu progenitor, tal como, a necessidade de serem amadas e cuidadas pelo mesmo. Paralelamente, podem ser invadidas por sentimentos de medo e raiva por aquele que as deveria proteger ser o mesmo que lhes causou sofrimento.
Para um menino ou rapaz vitimado esta é uma experiência bastante complexa, dolorosa e confusa. Quando o progenitor é o abusador, pode existir uma dualidade de papéis difícil de gerir para a criança. Por um lado, o pai é a figura de referência que deve proteger e cuidar da criança, por outro o pai é quem abusa sexualmente e provoca dor, medo, desconforto, entre várias outras consequências.
Além do impacto traumático e devastador da violência sexual, estas situações também podem afetar a forma como a criança se vai relacionar consigo própria e também com as outras pessoas. Se o próprio pai cuida dela em certos momentos, mas noutros abusa sexualmente, que comportamentos poderá a criança esperar das outras pessoas? Será este o relacionamento “normal” que os adultos têm com as crianças? Estas são algumas das questões que as vítimas podem interiorizar e integrar como normais à medida que crescem.
Testemunho de João
João, um dos homens que procurou ajuda na Quebrar o Silêncio, refere que «fui abusado pelo meu pai quando tinha entre 4 e 6 anos de idade. Depois de tentar suicidar-me 24 anos depois, decidi que precisava de procurar a ajuda que desde sempre senti que não merecia.» Neste caso em concreto, João indica ainda que «houve muita manipulação e sedução inteligente no meu abuso. Era apenas um jogo que o meu pai tinha comigo e tudo era como se fosse uma brincadeira ou afetos. Não era a história de um estranho que me violentou de forma agressiva na rua. Era tudo feito em casa e em segredo no meu quarto, e era tudo muito confuso, e por isso senti que não merecia ajuda.»
Os meninos e rapazes podem crescer e ter uma relação pouco saudável em relação às demonstrações de afeto por parte de outras pessoas e/ou em particular por parte de homens. Podem não saber como reagir, pois receiam que o afeto e atenção sejam sinónimos ou a outra face do abuso. Assim, é comum que muitos sobreviventes passem a evitar contactos com outras pessoas ou a desenvolver relações superficiais e com pouca profundidade, com estratégia de sobrevivência. Estas são apenas algumas das consequências.
Forçados a celebrar o dia do pai
É compreensível que para os homens que foram vítimas de violência sexual, o dia 19 de março seja uma data que os relembra do abuso que sofreram e que é bastante difícil de gerir. Estes homens não tiveram um pai que os protegeu, que cuidou deles e, que por isso, sentem que não merece ser celebrado. Os pais destes homens foram quem abusou sexualmente dos próprios filhos e, em muitas das situações, durante vários anos.
Os sobreviventes podem ter ultrapassado o impacto traumático do abuso, mas muitas vezes a família não tem conhecimento do abuso. Neste sentido, para preservarem a harmonia familiar (e também porque receiam que ninguém acredite na sua história), estes homens mantêm uma relação com o pai. Pode ser meramente cordial, mas pode implicar um contacto regular com o abusador e essa relação pode ter um impacto disruptivo nos sobreviventes.
Se for este o seu caso, queremos que saiba que não está sozinho. Se sentir dificuldades em gerir o dia 19 de março e/ou alguns eventos familiares, contacte-nos. Nós podemos ajudá-lo a ultrapassar o impacto que o abuso teve na sua vida. Os nossos serviços de apoio são gratuitos e confidenciais.
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