A hipersexualização é uma consequência comum nos homens sobreviventes de violência sexual. Esta pode causar um impacto negativo na forma como a sexualidade e intimidade são vividas, e na construção de relações afetivas. Compreender o porquê e como a hipersexualização se manifesta, pode ajudar o sobrevivente a encontrar formas de gerir e minimizar os seus efeitos, e assim reduzir o impacto do trauma na sua vida.
A hipersexualização pode apresentar-se de várias formas, nomeadamente, através de comportamentos sexualizados disruptivos e exacerbados. Alguns destes comportamentos são, por exemplo, a masturbação compulsiva, o consumo excessivo de pornografia e comportamentos sexuais de risco, como por exemplo, procura de múltiplos(as) parceiros(as), relações sexuais sem proteção e práticas sexuais com fim à humilhação e punição. Em alguns casos, o sobrevivente pode inconscientemente até procurar situações que reproduzem o abuso, revivendo repetidamente o que aconteceu. A presença destes comportamentos faz muitas vezes o sobrevivente sentir que algo de errado se passa consigo e reforçar sentimentos de desadequação, culpa e vergonha.
Cada pessoa vive de forma particular a sua sexualidade e intimidade nas diferentes fases da vida. Assim, é importante referir que o problema não se prende com o comportamento em si, mas sim com o modo como o sobrevivente experiencia esse comportamento e o impacto negativo que tem para ele. Muitas vezes, é difícil para o próprio sobrevivente compreender se determinados comportamentos, como por exemplo a masturbação ou a procura de envolvimentos sexuais casuais, estão a ser saudáveis ou disfuncionais para si. O facto de desde sempre fazerem parte da sua realidade e daquilo que conhece, pode levar a que estes sejam normalizados e, por esta razão, não consiga compreender o impacto negativo que podem ter na sua vida.
A hipersexualização pode também manifestar-se através de pensamentos sexualizados automáticos, intrusivos e recorrentes. Estes pensamentos que podem relacionar-se com sexo, nudez ou foco obsessivo na região genital; surgem de forma não intencional e não são uma escolha do sobrevivente. Ou seja, surgem de forma aleatória e imprevisível para o sobrevivente, o que pode gerar sentimentos de culpa, vergonha, confusão e até gerar dúvidas relativamente à sua orientação sexual.
A presença de determinadas reações fisiológicas, nomeadamente, uma ereção em situações nas quais não é expectável que tal aconteça (por exemplo em interações sociais ou reuniões de trabalho), são mais um exemplo de como a hipersexualização se pode manifestar. Em algumas situações estas reações podem levar o sobrevivente a colocar em causa a sua masculinidade, a ter dúvidas sobre a sua orientação sexual ou a acreditar que se pode tornar num abusador (sem que nada indique que isso aconteça ou possa de facto acontecer). Esta crença é muitas vezes reforçada pelo mito de que quem é vítima de violência sexual irá tornar-se num abusador (ver a seção mitos para saber mais sobre este assunto em específico).
Sem ter consciência, o sobrevivente pode ter tendência para sexualizar as suas relações, uma vez que pode existir uma confusão entre abuso e expressões saudáveis de carinho e afecto. O sobrevivente pode sentir dificuldade em expressar o carinho que sente pelos outros, por exemplo abraçar um amigo ou ser mais afetuoso com um familiar. Do mesmo modo, as manifestações de afeto dos outros para consigo, podem gerar desconforto ou ser ativadoras e levar o sobrevivente a evitá-las. Tudo isto vai interferir com a construção de relacionamentos íntimos saudáveis e pode fazer com que o sobrevivente opte por se distanciar ou isolar de quem o rodeia.
Porque é que a hipersexualização acontece?
A exploração da sexualidade por parte do abusador como forma de manipulação pode levar com que a vítima, nomeadamente quando esta é criança, experiencie um desenvolvimento deturpado da sua sexualidade para lá daquilo que seria expectável e natural no seu percurso. Neste sentido, a hipersexualização pode surgir enquanto estratégia de gestão emocional, na qual o sobrevivente recorre a determinados comportamentos, como a masturbação ou pornografia, enquanto forma de gerir emoções negativas (raiva, culpa, vergonha, ansiedade, frustração, entre outras), de fugir à dor e sofrimento ou até de sentir algo. Em algumas situações, o sobrevivente pode encontrar nestes comportamentos um meio de autoagressão e utilizá-los com o propósito de se punir ou castigar por sentir que fez algo de errado.
A hipersexualização pode também acontecer devido à necessidade de o sobrevivente procurar sentir controlo sobre a sua vida, o seu corpo e as suas escolhas, tal como à busca de validação e afeto.
Por vezes, o sexo é associado ao abuso, sendo percepcionado pelo sobrevivente como algo errado, sujo e imoral que, por isso, deve ser escondido e separado do resto da sua vida. Isto pode levar o sobrevivente a sentir necessidade de se envolver sexualmente com outras pessoas, mesmo quando está numa relação amorosa saudável e na qual se sente bem.
Devido ao impacto do trauma, a hipersexualização pode estar presente desde muito cedo na vida do sobrevivente. Estes comportamentos sexualizados proporcionam sensações físicas de prazer devido à libertação de dopamina, o que, a longo prazo, pode gerar uma dependência e criar no sobrevivente a necessidade de recorrer a estes para se sentir melhor ou fugir ao sofrimento.
Através de um acompanhamento psicológico especializado, é possível compreender melhor o trauma recorrente da violência sexual e as suas consequências. O sobrevivente pode entender que alguns comportamentos, pensamentos e sentimentos são na verdade uma consequência do que abuso pelo qual passou e que nada de errado se passa consigo.
Neste processo, o sobrevivente pode identificar os comportamentos que não estão a ser positivos para si, o sobrevivente pode ativamente substituí-los por comportamentos saudáveis. Ao compreender porque determinados pensamentos e reações fisiológicas acontecem, também pode desenvolver estratégias para lidar com eles e reduzir as repercussões que têm na sua vida. Do mesmo modo, ao desconstruir a crença de que se é diferente ou se está estragado, o sobrevivente poderá sentir-se melhor consigo mesmo, desprender-se do passado e focar-se no agora.
Se está a viver uma situação semelhante e se identifica com alguns destes comportamentos e pensamentos contacte-nos: 910 846 589 ou apoio@quebrarosilencio.pt.
Não está sozinho.