A hipossexualização, tal como a hipersexualização, é uma consequência comum nos homens sobreviventes de violência sexual. Apresenta-se maioritariamente através de comportamentos de evitamento que podem variar em intensidade e frequência. São habitualmente disruptivos no sentido em que interferem com o bem estar do sobrevivente.
Neste sentido, o sobrevivente pode evitar determinadas práticas sexuais como sexo oral, vaginal, anal, masturbação, ou também algumas posições sexuais. A hipossexualização também pode expressar-se quando o homem não assume um papel específico durante a relação sexual, como por exemplo, evitar atos penetrativos, como penetrar ou ser penetrado, no contexto de relações heterossexuais ou em relações homossexuais.
Noutras situações, pode existir o evitamento de qualquer tipo de envolvimento sexual e íntimo, independentemente da forma como é o sexo é experienciado. Em alguns casos, o sobrevivente pode não se sentir confortável com o contacto físico com os outros, seja ele sexualizado ou não. Assim, pode evitar dar apertos de mão, abraços ou participar em atividades ou desportos que exijam contacto físico (por exemplo atividades desportivas como futebol, ou lazer como danças de salão). Estar fisicamente próximo de outra pessoa pode ser igualmente desconfortável e gerar ansiedade.
Por este motivo, o sobrevivente pode evitar andar de transportes públicos em hora mais movimentadas, ir a concertos onde as pessoas estão fisicamente próximas ou andar de elevador quando está acompanhado. Em algumas situações, a relação que o sobrevivente tem com o seu próprio corpo pode ser igualmente impactada. O próprio corpo pode ser um gatilho que desencadeia memórias do abuso ou sentimentos de nojo e repulsa. Isto leva o sobrevivente a desconectar-se, mesmo que inconscientemente, do seu corpo, pois não o sente como seguro (e em algumas situações pode ainda não o sentir como seu), a evitar tocar-se ou olhar para si.
Porque é que a hiposexualização acontece?
Ser vítima de violência sexual, pode impactar a relação do sobrevivente com o sexo e intimidade, que podem passar a ser inconscientemente associados ao abuso e, por isso, percepcionados como algo perigoso e ameaçador. Algumas sensações e comportamentos podem desencadear memórias traumáticas do abuso e emoções intensas como medo, nojo, raiva, vergonha, culpa e impotência. Enquanto mecanismo de defesa, para evitar reviver repetidamente o abuso, o sobrevivente pode acabar por evitar qualquer situação de intimidade que possa, de algum modo, remeter para a violência sofrida.
Outra razão que torna a hiposexualização uma consequência comum da violência sexual, e que é muitas vezes reforçada por mitos acerca do abuso e do impacto na sua masculinidade, é o facto de o sobrevivente poder sentir que não é homem suficiente”. Esta pressão performativa de “ter que cumprir” e corresponder às solicitações sexuais, pode gerar uma elevada ansiedade de desempenho nas relações sexuais e um medo de falhar tão intenso, que o sobrevivente se inibe de viver a sua sexualidade e envolver-se intimamente com outras pessoas.
Em algumas situações o medo de sofrer novos abusos, pode ser a razão pela qual o sobrevivente evita situações de intimidade, nas quais se sente exposto, vulnerável e sem controlo. Os relacionamentos íntimos e a sexualidade podem assim ser encarados como algo inseguro e perigoso, em que o sobrevivente se sente vulnerável e em risco.
Os sobreviventes que se sentem responsáveis ou que experienciam sentimentos de culpa pelo abuso, podem acreditar que não têm controlo sobre os seus próprios atos e que, em algum momento, podem magoar a outra pessoa. Por exemplo, homens que durante o abuso foram forçados a penetrar outras pessoas, podem ter pensamentos como “vou acabar por magoar alguém” ou “eu não me consigo controlar”, o que os faz acreditar que colocarão a outra pessoa em risco, sem que nada indique que isso possa de facto acontecer.
No decorrer do processo terapêutico, o sobrevivente poderá compreender que a violência sexual e sexo são duas experiências diferentes e que a intimidade pode e deve ser segura. Ou seja, é possível experienciar a sexualidade de forma saudável, satisfatória e prazerosa.
Ao longo do processo o sobrevivente pode identificar os comportamentos de evitamento que estão presentes na sua vida e compreender quais as crenças que os estão a potenciar. Ao fazê-lo, poderá quebrar este ciclo de evitamento e, gradualmente, permitir-se a viver a sua sexualidade de forma natural, sem sentimentos de privação, culpa, vergonha ou punição.
Se identifica alguns destes comportamentos na sua vida e sente que estão a ser disruptivos para si, contacte-nos através da Linha de Apoio 910 846 589 ou do email apoio@quebrarosilencio.pt, estamos disponíveis para o receber.