Vários homens que foram vítimas de violência sexual costumam referir que “apagaram” durante o abuso, como se desligassem da realidade e do seu próprio corpo. Para muitos destes homens, essa sensação continua a acontecer anos após o abuso e em circunstâncias completamente diferentes. A este processo chama-se dissociação e neste texto falamos sobre ele.
Face a uma situação traumática, o cérebro entra em modo de sobrevivência. Este é um mecanismo adaptativo e automático que permite à pessoa sobreviver ao evento. Importa esclarecer que não se trata de uma escolha ou decisão consciente da pessoa, mas sim uma reação do cérebro e que a dissociação é uma das formas existentes de proteção pois permite ao sobrevivente desconectar-se da realidade quando esta é extremamente dolorosa.
Num caso de violência sexual, o sobrevivente pode experienciar uma sensação de estar desligado, como se a mente estivesse separada do corpo (dissociação), uma percepção distorcida de si próprio (despersonalização) ou a percepção de que o mundo não parece real (desrealização).
É comum que, inconscientemente e de forma automática, sobreviventes de violência sexual experienciem estes mecanismos durante o abuso, como forma de evitar sentir e fugir ao sofrimento que o abuso sexual está a gerar. Mesmo depois do abuso, a realidade pode ser continuamente percepcionada como perigosa, dolorosa e insegura, o que leva muitos sobreviventes a continuar a adotar esta resposta automática para lidar com esta sensação de ameaça constante, mesmo quando o perigo não é real.
Isto faz com que o sobrevivente se sinta anestesiado e alienado, como se perdesse a capacidade de sentir emoções e sensações, Este estado acaba por interferir com a forma como olha para si mesmo e com a capacidade de se ligar aos outros e construir relações saudáveis. O sobrevivente pode ainda experienciar lapsos de memória ou a sensação de memória desfragmentada ou vazia, como se “desligasse” de um determinado momento
Com uma terapia focada no trauma, o sobrevivente pode compreender que o seu corpo reagiu de forma adaptativa ao evento traumático vivido e que não há nada de errado consigo ou sobre a forma como o corpo se comportou no momento do abuso. Ao conhecer e compreender estes processos, pode aprender a identificar e reconhecer estes mecanismos quando acontecem na sua vida atual, tal como estratégias para os interromper. É também na terapia que o sobrevivente poderá reconectar-se com o seu corpo, voltar a sentir e aprender a regular as suas emoções.
Com o processo terapêutico concluído, o sobrevivente poderá sentir que mecanismos como a dissociação, surgem cada vez com menos frequência e com menor intensidade, e que é seguro sentir. Isto ajudará o sobrevivente a sentir-se inteiro, com controlo sobre o seu corpo e com capacidade para gerir as suas emoções.
Se sente que é comum dissociar ou que foi esta a reação ao trauma, ou se identifica com este texto e necessita de apoio contacte-nos. A Quebrar o Silêncio está disponível para recebê-lo através da Linha de Apoio 910 846 589 ou do email apoio@quebrarosilencio.pt.