É comum sobreviventes de violência sexual sentirem o próprio corpo enquanto gatilho do evento traumático vivido. Como forma de fugir ao sofrimento, o sobrevivente pode evitar ou rejeitar o seu corpo, o que vai gerar um impacto na percepção que tem de si, no modo como vive a sua sexualidade e como se relaciona com os outros.
Quando vivenciada, a violência sexual fica gravada na memória enquanto um evento traumático, tal como as sensações e emoções negativas a ela associadas. Quando o sobrevivente se depara com desencadeadores que de algum modo são associados ao trauma vivido, é invadido por memórias do que aconteceu, tal como, pelas sensações e emoções que estiveram presentes. Estes gatilhos são muitas vezes externos, por exemplo um som, um local ou uma situação. No entanto, quando falamos de violência sexual, o próprio corpo do sobrevivente pode ser o gatilho dos abusos de que foi vítima, sendo este uma constante lembrança do que aconteceu, da qual é impossível fugir. Por esse motivo, pode sentir nojo ou repulsa do seu corpo, o que o leva progressivamente a evitá-lo. Assim, é comum que homens que foram abusados sexualmente evitem olhar, tocar ou até mesmo sentir o seu próprio corpo. Neste sentido, o sobrevivente pode não querer olhar-se ao espelho, colocar creme sobre o seu corpo, evitar relações sexuais ou contactos íntimos, pois fazê-lo pode gerar sentimentos negativos ou até trazer memórias dos abusos. Esta rejeição de si próprio poderá reforçar sentimentos de autodesvalorização, culpa e vergonha, tal como, algumas crenças negativas sobre si como “eu sou feio e nojento”, “há algo muito errado comigo”, “ninguém me vai amar ou aceitar como sou”, entre outras.
O facto de se sentir cada vez mais desconectado com o seu corpo, pode gerar a sensação de que este não lhe pertence e que por isso não tem controlo sobre ele. Esta percepção de ausência de controlo, reforçada muitas vezes por sentimentos de culpa face ao abuso, pode levar o sobrevivente a acreditar que a qualquer momento pode ter uma reação inesperada e fazer algo de errado, como magoar outra pessoa, mesmo quando na realidade nada indica que o faria.
Impacto na relação com os outros
Muitos homens que sentem o seu corpo enquanto gatilho da violência sexual sofrida, partilham dificuldades em estabelecer relações afetivas seguras e em se envolver intimimanente com outras pessoas. Sensações como o toque, o contacto pele a pele ou a proximidade física em momentos de intimidade, podem ser extremamente ativadoras e transportar o sobrevivente para o evento traumático. Do mesmo modo, reações físicas como ter uma ereção ou ejacular, podem ser um gatilho para homens que foram abusados sexualmente, causando sofrimento e mal estar que vão influenciar a forma como vivem a sua sexualidade. Tudo isto, pode levar ao evitamento de determinadas práticas sexuais desencadeadoras de memórias, emoções ou sensações relacionadas com o abuso, como por exemplo penetrar outra pessoa durante a relação sexual ou até mesmo evitar qualquer envolvimento sexual.
Através de um acompanhamento psicológico especializado, é possível compreender melhor estes gatilhos e as emoções por ele geradas, tal como, o que fazer para que se tornem menos disruptivos na sua vida. Ao longo do processo terapêutico poderá aprender a aceitar-se por inteiro, a sentir o seu corpo como seu e não como uma ameaça ou perigo iminente ou como uma recordação sucessiva dos abusos. Ao deixar de ser um gatilho, o sobrevivente poderá apropriar-se do seu corpo e sentir que tem total controlo sobre ele. Será assim mais fácil gostar de si e aceitar-se inteiramente, sendo assim possível conectar-se e relacionar-se com os outros de forma segura.
Se sente que o seu corpo é um gatilho ou se se identifica com este texto, procure apoio. Contacte-nos através da Linha de Apoio 910 846 589 ou do email apoio@quebrarosilencio.pt.