Homens heterossexuais que foram vítimas de violência sexual podem vir a ter, ao longo da sua vida, contactos sexuais com outros homens. No entanto, essas experiências não significam necessariamente que sejam bissexuais ou homossexuais.
Esta é uma dúvida muito presente e de grande importância para vários homens sobreviventes, que pode provocar sentimentos de ansiedade, confusão, ambiguidade, dor e desconforto, entre outras questões. A desinformação sobre estes temas é muita e, como resultado, é comum que haja mais perguntas do que respostas. Por este motivo, vamos abordar alguns pontos centrais relativamente a esta questão, esclarecer algumas dúvidas e desconstruir mitos.
De uma forma geral, há quem considere que o abuso sexual é sexo, quando na verdade não é. É uma forma de violência que é potencialmente traumática e que pode afetar especificamente a vida sexual e a intimidade das vítimas. No entanto, por envolver comportamentos ou haver uma “materialização” sexualizada, é comum que haja uma associação entre abuso e sexo, como se ambos significassem o mesmo. Esta associação está errada e gera confusão nos homens sobreviventes. Por exemplo, em muitos casos o abusador é a pessoa que dá atenção e afeto à criança vitimada. Nestas circunstâncias, a criança pode aprender a relacionar o abuso com afeto e atenção, e passar a associar os dois em situações futuras. Assim, pode acontecer que mais tarde, na vida adulta, este menino procure afeto e atenção junto de outros homens — mesmo quando a sua orientação sexual não é homossexual.
Esta procura não tem de ser consciente ou deliberadamente sexual. No entanto, por assumir contornos sexualizados, é comum que o sobrevivente se questione sobre a sua orientação sexual e se esta foi afetada pelo abuso sexual. Esta dúvida é partilhada por muitos homens que foram abusados sexualmente.
Neste sentido, é comum haver homens heterossexuais que não compreendem por que razão tiveram contactos sexuais com outros homens quando sentem atração pelo sexo feminino. Em vários casos, a manipulação que o abusador exerce sobre a vítima destrói a sua autoestima e autovalorização, fazendo com que ela sinta que tem de corresponder a qualquer solicitação sexual ou avanço nesse sentido. Há casos de homens sobreviventes que referem que não são capazes de dizer que «não» a mulheres ou a homens, e que por isso se vêem envolvidos em situações nas quais não tinham condições para dar um consentimento consciente e entusiástico.
Também existem casos de homens que, por estarem tão confusos com o impacto que o abuso teve na sua orientação sexual, acabam por procurar contactos íntimos com outros homens para se certificar de que não têm qualquer prazer. Os próprios asseguram que é uma medida extremada, mas que os ajuda a esclarecer que não gostam ou que não têm desejo em ter sexo com outros homens. No entanto, para muitas pessoas, esta procura comprova que estes sobreviventes são homossexuais, o que não é necessariamente verdade. É preciso analisar esta procura e estes contactos através das consequências que o trauma da violência sexual teve na vida das vítimas. É fundamental compreender o estado de confusão extrema e também a necessidade exasperante de procura por respostas e paz interna que estes homens tanto procuram.
Poderá haver (e sabemos que há) casos de sobreviventes que questionam a sua orientação sexual porque estão a fazer o seu processo de aceitação e de “coming out” por serem homossexuais ou bissexuais. No entanto, é preciso reforçar que este exemplo não tem de ser necessariamente a realidade de outros homens, e que não pode ser generalizado. Estes homens também experienciam momentos de extrema confusão em que a homofobia, bem como a homofobia internalizada, podem ter papéis determinantes em gerar sentimentos de culpa, nojo e auto reprovação.
Sabemos que não existe uma resposta que sirva para todos os homens que foram vítimas de violência sexual e que possa esclarecer ou apaziguar todos os sobreviventes de igual forma. Queremos apenas que tenham em mente que a violência sexual é um tema profundamente complexo e que afeta a sexualidade, intimidade e a forma como os homens vitimados experienciam contactos e práticas sexuais.
Se, se revê neste texto ou sente que o abuso afetou outras dimensões da sua sexualidade, fale connosco. Nós podemos ajudá-lo. Contacte-nos através do número 910 846 589 ou do email apoio@quebrarosilencio.pt