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30 de Setembro de 2024

Depois do abuso: “Sinto que não mereço ser amado”

A maioria dos sobreviventes de violência sexual tem baixa autoestima e sente que não é merecedor de amor. Devido ao abuso sexual, o sobrevivente pode desenvolver uma imagem extremamente negativa de si próprio que não corresponde à realidade. Esta perceção distorcida de si mesmo acaba por interferir com o modo como vive a sua vida, com as decisões que toma e as relações que estabelece.

Assim, é comum ouvir muitos dos homens que chegam à Quebrar o Silêncio partilharem: 

  • “estou estragado ou quebrado”, 
  • “não mereço que coisas boas me aconteçam”, 
  • “não sirvo para nada”, “não presto”, 
  • “sou sujo”, 
  • “não tenho valor”,
  • “não mereço que cuidem de mim”, 
  • “não mereço ser amado”,
  • “é impossível alguém me amar se me conhecer verdadeiramente”,
  • “mais cedo ou mais tarde todos vão perceber que sou uma fraude”.

 

Estas crenças negativas intensas estão muitas vezes associadas ao facto do sobrevivente sentir que tem culpa ou que foi responsável pelo abuso. Ao sentir que fez algo de muito errado, sentimentos de vergonha, raiva e nojo podem surgir e reforçar a ideia de que é um ser humano horrível, moralmente condenável e sujo.

A forma como o abuso foi integrado faz com o sobrevivente sinta que teve responsabilidade, impedindo-o de compreender que, na verdade, ele foi vítima e que, em momento algum, pode ser culpado pelo que lhe fizeram. Alguns destes sentimentos de culpa, surgem também associados ao facto de sentirem que não nada fizeram para evitar ou impedir que o abuso acontecesse, que não foram capazes de se defender ou pedir ajuda. 

Alguns sobreviventes culpabilizam-se e recriminam-se pelos comportamentos, decisões, e escolhas que fizeram e, pelo modo, como conduziram a sua vida. Por exemplo, ao negligenciar o seu bem estar, desistir de objetivos académicos ou profissionais, ter comportamentos sexuais de risco, isolar-se, ser mais passivo e menos assertivo, envolver-se em relacionamentos tóxicos, consumir substâncias psicoativas, manter o silêncio face ao abuso, entre outros. Alguns sobreviventes podem sentir que fizeram escolhas que, na verdade, não queriam mas que se sentiram pressionados, numa tentativa de encontrar a validação e reconhecimento dos outros.

Para alguns sobreviventes, o facto de serem homens adultos e de já muitos anos terem passado (por vezes décadas), fá-los sentir que fracassaram por não terem conseguido superar o que aconteceu, o que reforça a ideia de que são inferiores aos outros homens ou que não são homens suficientes.

Estes sentimentos fortes de autodesvalorização levam muitos sobreviventes a isolar-se ou a anular-se nos seus relacionamentos. As relações podem ser pouco saudáveis, superficiais ou sem um compromisso real e mesmo quando as coisas parecem começar a correr bem, a crença de que “não mereço coisas boas”, pode levar o sobrevivente a auto sabotar-se, o que acaba, por sua vez, reforçar a ideia de que nada de bom realmente lhe acontece.

Para além da violência sexual, alguns sobreviventes viveram na sua vida outras experiências potencialmente traumáticas que também podem reforçar a baixa autoestima e contribuir para a construção de uma imagem negativa de si, como por exemplo, o abandono dos pais, negligência parental e/ou familiar, ausência de afeto, bullying ou outras situações de violência.

No processo terapêutico na Quebrar o Silêncio, o sobrevivente tem um espaço seguro no qual pode compreender que não foi responsável ou culpado pelo abuso e como as decisões que tomou na sua vida foram influenciadas pelo que lhe aconteceu. Perceber que não é culpado pelo abuso e aceitar que as suas escolhas e comportamentos foram, na realidade, um mecanismo de sobrevivência para lidar com o sofrimento, ajuda o sobrevivente a olhar para si de um modo mais positivo, sem julgamentos e com uma maior empatia e compreensão. Este é o caminho para uma nova construção da imagem que tem de si que permitirá ao sobrevivente gostar de si próprio, reconhecer o seu valor e aceitar que é merecedor de cuidado, afeto e amor, e assim, facilitar o modo como se relaciona com os outros.

Se sente que tem uma baixa autoestima e se identifica com este texto contacte-nos através da Linha de Apoio 910 846 589 ou do email apoio@quebrarosilencio.pt.