Cheguei à associação após ouvir o Ângelo num podcast, onde descrevia alguns dos sentimentos com os quais lidava desde há muito.
Sentia que vivia uma espécie de vida dupla: perante família, amigos e sociedade apresentava-me com uma segurança e eloquência irrepreensíveis e até destacada; no silêncio do meu isolamento, reprimia-me por me sentir sempre fisicamente em desvantagem perante os outros homens.
Iniciei a minha vida sexual tardiamente pois, percebo agora, julgava que a minha performance e o meu falo seriam “avaliados” e o medo de “falhar” remetia-me para um afastamento dessas situações. A masturbação e o recurso à pornografia saciavam a minha pulsão sexual. Após iniciar a minha vida sexual – e mesmo após a concretização de um casamento – essa ideia de performance e de permanente comparação com outros continuou, ainda que de um modo mais ou menos inconsciente, associada à prática sexual.
A imagem física que tinha de mim próprio mantinha um padrão de permanente comparação com outros homens, sendo que a comparação era sempre com homens que eu considerava mais viris ou que se aproximavam do meu (pré)conceito do que é ser Masculino. Em suma, saía sempre a perder… e, para além disso, plantava a dúvida acerca de uma orientação sexual indefinida. Não era fácil abordar este tema com quem quer que fosse. Mesmo com a frequência de outras consultas de psicologia estas questões não melhoravam nem encontravam uma resposta.
Após o envio de um primeiro email, com alguma vergonha e mais dúvidas do que certezas, fui “acolhido” e iniciou-se o processo.
O processo de recuperação foi intenso e de grande dedicação, tendo a profissional envolvida sido fundamental para ajudar a desconstruir as perceções e sentimentos assimilados ao longo de toda a minha vida. A clarividência da dismorfia que me acompanhava, bem como a humanização das Figuras Masculinas que eram o “gatilho” para sentimentos e pensamentos comparativos foram, e são, fundamentais para iniciar uma reconstrução alicerçada em compreensão e (início de) aceitação próprias.
Hoje sinto-me mais capaz de lidar com a minha imagem física e mais preparado para ajudar os que me rodeiam a viverem mais atentos aos padrões que, de modo mais ou menos subliminar, a sociedade nos impõe. As situações de balneários e de exposição do corpo, com os quais me debatia, tornaram-se menos desafiantes e são melhor compreendidas por mim, como sendo consequência do ato continuado a que fui sujeito enquanto criança, abuso esse que nunca se configurou como violento, nem foi intencionalmente doloso, o que o tornou ainda mais difícil de definir como tal.
O grupo de apoio, em articulação com as sessões terapêuticas individuais, permitiu a existência de espaços seguros de partilha com outros homens que, à sua maneira, têm vidas e experiências que me permitem uma identificação e até perspetivar soluções que ajudaram e ajudam a manter-me neste percurso com vista a uma vida mais completa, física e intelectualmente.