Para algumas pessoas, o Chemsex pode ser vivido como uma experiência de libertação, um espaço onde a sexualidade pode atingir um grau de intensidade que, por várias razões, se encontra fora do seu alcance. Na Quebrar o Silêncio não julgamos práticas sexuais nem escolhas individuais, mas queremos trazer à conversa algo que raramente se fala: o risco de violência sexual nestes contextos.
Quando se fala em redução de riscos no Chemsex, pensa-se sobretudo no uso de substâncias — a qualidade da droga, a dosagem, a origem, o drug checking. Mas a redução de riscos também deve incluir o risco de abuso sexual, que é real e está presente em vários dos relatos dos homens que chegam à Quebrar o Silêncio. A realidade é que a maioria destes homens não fala destas experiências.
Recebemos, com frequência, homens que foram abusados sexualmente durante festas de Chemsex. Muitos não conseguem reconhecer de imediato que o que viveram foi violência sexual. Confundem o abuso com uma «má experiência sexual», algo que correu mal, que foi desconfortável, confusa, dolorosa, ou até traumática, mas que não se encaixa, à primeira vista, na imagem que têm do que é uma violação ou outros atos de abuso sexual.
Parte desta dificuldade vem da ideia errada de que o consentimento está garantido à partida por terem aceitado participar ou por terem sido os organizadores da festa, por terem adquirido as substâncias ou por terem dito «sim» no início. No entanto, o consentimento (seja de quem convida ou de que é convidado) tem de ser dado de forma livre, informada e contínua; e o consumo de drogas compromete essa liberdade. Se a pessoa está inconsciente, dissociada, excessivamente intoxicada, não há consentimento possível. E aqui entramos no domínio da violência sexual e do crime.
Também existe o medo do julgamento. Muitos sobreviventes receiam ser culpabilizados por usarem drogas, por terem relações com múltiplas pessoas ou por se envolverem em práticas fora do «aceitável». Receiam os olhares de reprovação de profissionais de saúde, da polícia, da família ou até de pessoas amigas. E assim, o silêncio impõe-se. Um silêncio que protege os agressores e prolonga o sofrimento de quem foi vítima de abuso sexual.
Há ainda quem interiorize que «faz parte da cultura», como se fosse inevitável que, mais cedo ou mais tarde, algo corra mal. Como se o abuso fosse o preço a pagar por viver uma sexualidade lida como «fora da norma» ou «libertina». Esta naturalização da violência é uma forma perigosa de normalizar a violação em certos contextos e contribui para a ideia errada de auto culpabilidade da própria vítima, pelo que é urgente combatê-la.
Na Quebrar o Silêncio ajudamos homens e rapazes, bem como pessoas trans e não binárias, que tenham sido abusados sexualmente em contexto de Chemsex.
Na Quebrar o Silêncio encontram um espaço seguro para falar das experiências sem juízos de valor. Quem nos procura, encontra escuta e empatia. Independentemente das circunstâncias, do grau de envolvimento ou da forma como começou.
A culpa nunca é da vítima.
A responsabilidade é sempre de quem abusa.