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2 de Dezembro de 2024

Fui vítima de abuso sexual, vou tornar-me abusador?

A ideia de que um rapaz vítima de violência sexual se tornará, ele próprio, um abusador é um mito que assombra e silencia muitos homens sobreviventes. No entanto, não é esta a realidade.

Por terem sido vítimas de violência sexual, há homens sobreviventes que receiam poder vir a abusar sexualmente de crianças. É importante esclarecer, desde já, que não existe uma relação causal. Todavia, este medo infundado é reforçado socialmente devido aos mitos e crenças erradas sobre estes temas e, não só gera sofrimento e ansiedade, como também contribui para que os sobreviventes continuem a sofrer em silêncio. Há abusadores (cerca de 30%) que referem terem sido vítimas de abuso sexual no passado, mas — atenção — deduzir que 30% dos homens sobreviventes tornar-se-á abusador é uma conclusão errada. Repetimos: não existe uma relação causal. Quando, no apoio psicológico, exploramos este receio, é evidente que este não está relacionado com o facto de o sobrevivente sentir desejo ou atração sexual por crianças. Prende-se, sim, com a preocupação irracional — baseada na desinformação sobre o porquê de os abusadores vitimarem crianças — de que, por ter sido abusado, é inevitável tornar-se um abusador. 

Esta dúvida pode estar presente de várias formas, como por exemplo, através de pensamentos disruptivos recorrentes, nos quais o sobrevivente receia poder magoar uma criança e acredita que tal pode mesmo vir a acontecer. Alguns homens sentem dificuldade em manifestar carinho ou afeto pelas crianças que fazem parte da sua vida, como filhas e filhos ou sobrinhas e sobrinhos. Para muitos pais, abraçar, pegar ao colo ou dar banho às suas crianças , pode ser um momento de ansiedade marcado pelo medo de fazer algo de errado. Em algumas situações, esta preocupação pode ser tão intensa que leva o sobrevivente a adotar comportamentos de evitamento, como não interagir com as crianças da sua família, evitar passar perto de escolas ou parques infantis ou até mesmo tomar a decisão de não ser pai.

Este medo de magoar uma criança é habitualmente acompanhado por fortes sentimentos de culpa e vergonha. Uma vez que esta crença errada ainda está bastante enraizada socialmente, pode contribuir para que o sobrevivente não partilhe a sua história de abuso, por ter medo de ser julgado como alguém que irá abusar sexualmente de uma criança. Na verdade, por terem sidos vítimas de violência sexual na infância, muitos destes homens que são pais, acabam por ser mais protetores e atentos, uma vez que estão mais alerta e conscientes de que este é um problema ainda silenciado na sociedade.

Com o apoio especializado da Quebrar o Silêncio, o sobrevivente tem a oportunidade de compreender que se trata apenas de um medo infundado e que não corresponde à realidade. Esta desconstrução permite ao sobrevivente viver a sua vida sem estar aprisionado ao receio constante de poder magoar uma criança. Tornar-se-á mais fácil relacionar-se com as crianças que fazem parte da sua vida e manifestar o seu carinho e afeto para com elas, sem que isso seja disruptivo ou provoque ansiedade. Ao sentir-se confiante e seguro, o sobrevivente estará mais livre para tomar decisões importantes sem se condicionar, como por exemplo, escolher ser pai.

Se se identifica com este texto saiba que não está sozinho. A Quebrar o Silêncio está disponível para recebê-lo através da Linha de Apoio 910 846 589 ou do email apoio@quebrarosilencio.pt.