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21 de Julho de 2025

Sou heterossexual, mas sinto-me excitado por homens. Terá o abuso influenciado a minha orientação sexual?

Muitos dos homens que foram abusados sexualmente são assolados pela dúvida: terá o abuso influenciado a minha orientação sexual? Devido à natureza sexualizada do abuso, é natural que esta questão possa gerar confusão e mal-estar, nomeadamente nos sobreviventes heterossexuais.

Quando homens sobreviventes de violência sexual, em particular com orientação heterossexual, relatam sentir excitação (ou a confundem com interesse) perante outros homens ou situações de teor homoerótico, isso não significa que a sua orientação sexual tenha mudado com o abuso ou que «no fundo tenham desejado» o que lhes aconteceu. É essencial desmontar essa questão.

 

Excitação sexual não indica interesse ou consentimento

Primeiramente, convém esclarecer que excitação sexual não é, nem representa qualquer forma de consentimento. Não valida o abuso sofrido, não minimiza a dimensão traumática ou deixa de ser crime.

O corpo pode responder fisiologicamente ao estímulo sexual mesmo em situações de ameaça, medo ou abuso. É uma resposta fisiológica e involuntária, muitas vezes interpretada erroneamente como «desejo», «atração» ou como forma de consentimento. Muitos sobreviventes sentem culpa por terem tido ereção, ejaculação ou orgasmo durante o abuso — mas isso não significa que quisessem ou tenham gostado de terem sido abusados sexualmente.

 

O trauma pode distorcer as referências sexuais

Um dos impactos mais complexos da violência sexual — especialmente quando vivida na infância ou adolescência — é como esta pode interferir na construção das referências sexuais e do desejo. O corpo pode ter registado sensações físicas associadas ao abuso, mesmo em contexto de medo, coação ou confusão. Como o cérebro, especialmente em idades precoces, ainda está em desenvolvimento, não consegue separar o que é prazer físico do que é violência, tal como o que são reações automáticas daquilo que é um ato intencional e revelador de desejo. Quando os abusos acontecem antes do sobrevivente ter iniciado a sua vida sexual, e existe a ausência total de um modelo, a experiência do abuso pode passar a ser integrada como a referência do que é o sexo, sexualidade ou envolvimento sexual.

Isto pode levar o sobrevivente, mais tarde, a sentir-se atraído, excitado ou intrigado por estímulos que, sabendo ou não, estão associados ao abuso. Não porque deseje ser abusado novamente, mas porque a sua sexualidade foi condicionada em parte pela experiência traumática. O cérebro aprendeu — de forma distorcida — que aquele tipo de interação «faz parte» do erotismo ou da intimidade, ou mesmo que representa a forma como duas pessoas – em especial os homens – interagem entre si. Como se nas relações humanas houvesse sempre uma nuance sexualizada e um jogo de provocação e excitação sexual.

Para alguns homens, isso pode traduzir-se numa excitação involuntária perante situações ou circunstâncias que podem evocar contornos experienciados durante o abuso, nomeadamente algum tipo de controlo, humilhação ou dominação do outro sobre o sobrevivente. Noutros casos, pode identificar um padrão de envolvimento com pessoas ou dinâmicas que o deixam desconfortável, mas que parecem, no imediato, estranhamente familiares, intensas e que podem gerar uma forma de entusiasmo. A confusão instala-se: se me excita, será que gosto? Será que quero ou mesmo quis «aquilo»?

Estas perguntas, carregadas de culpa e vergonha, são frequentes e profundamente injustas para os homens e rapazes que foram vítimas de abuso sexual. É fundamental compreender que o trauma sexual não afeta apenas a capacidade de confiar, de se sentir seguro ou de viver relações saudáveis. Pode instalar-se também na esfera do desejo. E quando isso acontece, muitos homens vivem em conflito permanente com o próprio corpo, como se este os tivesse traído da verdade e continue a traí-los.

 

Terá o abuso sexual afetado a minha orientação?

É comum que homens sobreviventes de abuso sexual se perguntem se o que viveram teve impacto na sua orientação sexual. «Serei gay por causa do que me aconteceu?» ou «Gostaria de mulheres se não tivesse sido abusado?» são perguntas que surgem com frequência, muitas vezes acompanhadas por culpa, confusão ou vergonha. Por esta razão, é fundamental dizê-lo com toda a clareza: não há evidência científica que relacione o abuso sexual com a orientação sexual de uma pessoa. A orientação – seja ela heterossexual, homossexual, bissexual ou outra – não é causada por experiências de abuso. É uma parte natural e complexa da identidade humana, e não o resultado de uma vitimação sexual.

Também importa sublinhar que a orientação sexual de quem abusa não determina nem «contamina» a da vítima. Um rapaz abusado por um homem não se torna homossexual por isso, tal como um rapaz abusado por uma mulher não se torna heterossexual por essa razão. O que acontece, muitas vezes, é que o abuso introduz medo, repulsa ou confusão em torno da intimidade, o que pode dificultar a vivência plena da sexualidade, mas isso não altera a orientação, apenas complica a forma como ela é percebida, vivida ou expressada.

Em alguns casos, os abusadores exploram dúvidas já existentes. Sabendo que alguns meninos ou rapazes podem sentir-se «diferentes» ou estar em fase de questionamento, há abusadores que usam essa vulnerabilidade como estratégia de aproximação. Criam uma ligação emocional, validam a diferença, oferecem atenção e afecto — apenas para mais tarde manipular, coagir e abusar. Este tipo de predação reforça, na vítima, a ideia de que o abuso está relacionado com a sua orientação, quando, na realidade, foi a dúvida que foi instrumentalizada para abusar — não a orientação que causou o abuso.

 

A vergonha e a confusão fazem parte do processo, mas há soluções

Sentir vergonha por ter ficado excitado durante o abuso, por ter tido fantasias com outros homens ou por se sentir sexualmente estimulado por algo que remete para o trauma, é comum entre homens sobreviventes. Muitos não compreendem as respostas do próprio corpo, e interpretam-nas como prova de que consentiram, quiseram ou «gostaram». Esta vergonha instala-se de forma silenciosa e corrosiva, impedindo-os de falar, de procurar apoio ou de compreender o que verdadeiramente viveram. A cultura de masculinidade dominante — que associa o desejo masculino ao controlo, à iniciativa e à virilidade — só reforça este mal-entendido e isola ainda mais quem sofre.

A Quebrar o Silêncio ajuda homens sobreviventes a resolver e superar estas e outras questões relacionadas com o abuso. Oferecemos um espaço de escuta e apoio especializado e qualificado. Connosco encontrará um local seguro onde pode falar, ao seu ritmo, sem juízos de valor.

O abuso sexual de homens é uma realidade complexa e minada de mitos e ideias. Nós podemos ajudá-lo. Peça ajuda.

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