Abril é o Mês da Prevenção dos Maus-Tratos na Infância.
Para a Quebrar o Silêncio, é urgente que se reconheça, cada vez mais, a realidade do abuso sexual de crianças, a gravidade dos números e as consequências devastadoras que acarreta para o seu desenvolvimento e bem-estar ao longo da vida.
Em 2015, o Conselho da Europa alertava para um dado alarmante: 1 em cada 5 crianças na Europa é, foi ou será vítima de violência sexual. Contudo, o próprio organismo reconhece que “este número pode estar drasticamente subestimado devido à escassez de denúncias.” A Quebrar o Silêncio partilha dessa avaliação — a realidade é muito mais vasta do que os números revelam.
Desde então, os casos de abuso sexual em ambientes digitais dispararam. A pandemia obrigou os perpetradores a adaptarem-se, tornando-se mais engenhosos na forma como se aproximam das crianças. Também se regista um aumento preocupante da violência sexual entre pares.
Perante este cenário, defendemos que o Estado Português deve:
- Criar políticas públicas específicas que promovam respostas especializadas em matéria de violência sexual.
- Implementar uma Rede Nacional de Apoio Especializado a Vítimas de Violência Sexual, autónoma e independente da atual RNAVVD.
- Desenvolver um Plano Nacional de Prevenção e Combate ao Abuso Sexual de Crianças.
- Abolir os prazos de prescrição e de denúncia para os crimes sexuais contra crianças, à semelhança do que já acontece noutros países. Muitos sobreviventes só conseguem denunciar décadas depois — quando finalmente se sentem preparados, já não o podem fazer. Manter limites temporais apenas protege os agressores e perpetua o abuso.
- Formar profissionais da saúde, justiça, educação e intervenção social (e outros) sobre violência sexual contra crianças e trauma.
Violência sexual nos ambientes digitais
Em relação ao abuso sexual de crianças online, é importante recordar alguns factos:
- Em 2022, a Comissão Europeia propôs um regulamento que obriga os prestadores de serviços digitais (como a Meta, Google, entre outros) a prevenir, detetar, reportar e remover materiais de abuso e exploração sexual de crianças (MAESC / CSAM em inglês). Estas empresas têm responsabilidade na disseminação destes materiais. Enquanto não existirem regras claras e vinculativas, continuarão a agir sem escrutínio — e as crianças não podem depender das «boas intenções» das operadoras. A regulamentação deve ser firme e eficaz.
- O volume de MAESC disponível online é colossal e em constante expansão. Esta situação é ainda mais grave com a utilização de inteligência artificial (IA) para gerar imagens hiper-realistas de abuso sexual de crianças. Estas imagens são praticamente indistinguíveis de imagens reais, o que representa um enorme desafio para as autoridades — tanto para identificar se as vítimas são reais como para investigar os crimes.
- Na dark web, proliferam fóruns onde se partilham instruções detalhadas sobre como criar, modificar e disseminar este tipo de imagens, bem como métodos para contornar salvaguardas tecnológicas.
Números que não se podem ignorar
A Internet Watch Foundation (IWF) analisou 11 108 imagens geradas por IA publicadas num único fórum da dark web, durante o mês de setembro de 2023. Eis o que foi identificado:
- 2 978 dessas imagens eram material de abuso sexual infantil (MAESC);
- 2 562 eram tão realistas que a lei teria de as considerar como imagens reais;
- 564 foram classificadas como Categoria A — o nível mais grave, que pode incluir violação, tortura sexual e bestialidade;
- 1 372 retratavam crianças com idades entre os 7 e os 10 anos;
- 143 mostravam crianças entre os 3 e os 6 anos e 2 imagens retratavam bebés com menos de 2 anos.
Guia para a prevenção da violência sexual contra crianças
Descarregue o nosso Guia para Profissionais com os princípios básicos para prevenir a violência sexual: conhecer, identificar e agir.
Este guia destina-se a todos os profissionais que trabalham com crianças — da educação (docentes e não-docentes) à medicina (sobretudo pediatria), passando por campos de férias, escuteiros, igrejas, ATL e outras áreas de contacto directo com crianças.